A formação de oficiais da Marinha Mercante é a espinha dorsal da operação segura, eficiente e competitiva da frota marítima brasileira. No entanto, a estrutura atual, centralizada sob a autoridade da Marinha do Brasil, enfrenta uma série de gargalos que limitam a resposta do país ao crescimento do setor. Este artigo busca mapear o funcionamento do sistema de formação, seus principais desafios e apresentar propostas para sua modernização e ampliação.
Estrutura de formação: EFOMM, CIAGA, CIABA, ASON, ASOM e ICN
A formação de oficiais no Brasil ocorre, majoritariamente, por meio do curso regular da EFOMM (Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante), oferecido em dois centros de instrução da Marinha: o CIAGA (Centro de Instrução Almirante Graça Aranha, no Rio de Janeiro) e o CIABA (Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar, em Belém).
Com duração de quatro anos (três em sala de aula e um de estágio embarcado), o curso forma Segundo Oficial de Náutica ou de Máquinas. O processo seletivo é altamente concorrido, e a quantidade de vagas é limitada por orçamentos militares e capacidade das instalações.
Além da EFOMM, existem os cursos ASON (Adaptação para Segundo Oficial de Náutica) e ASOM (para Máquinas), voltados a profissionais com graduação superior correlata. São cursos de um ano, voltados à aceleração da formação de oficiais, mas estão inativos desde 2007, apesar de sua importância estratégica.
Complementando esse ecossistema, instituições como o ICN (Instituto de Ciências Náuticas) oferecem cursos de aperfeiçoamento, qualificação técnica e idiomas, atuando como agentes fundamentais de educação continuada.
Gargalos estruturais
Apesar da solidez acadêmica e técnica, o sistema brasileiro enfrenta diversos entraves:
- Capacidade limitada: Com cerca de 200 a 300 formandos por ano, o país está longe de suprir a demanda do setor, que exige ao menos o dobro de novos oficiais anualmente.
- Centralização militar: Toda a formação é conduzida sob supervisão direta da Marinha, o que limita a flexibilidade, a agilidade e a escala do sistema, especialmente em contextos de crescimento abrupto da frota.
- Hiato de oferta: Em tempos de crise (como 2015-2020), a redução do número de vagas e a suspensão de cursos geraram descontinuidade na formação.
- Baixa integração com o setor civil: Poucas são as parcerias com universidades públicas ou privadas, o que impede uma formação dual moderna e alinhada às demandas do mercado global.
- Falta de estímulo à atualização tecnológica: A burocracia regulatória dificulta a inclusão ágil de temas emergentes como automação, cibersegurança e navegação verde.
Proficiência em inglês: um fator crítico
A formação técnica de oficiais brasileiros é reconhecida internacionalmente, mas a proficiência em inglês é uma das maiores barreiras à sua empregabilidade global. Embora o idioma esteja presente na grade curricular da EFOMM, o ensino ainda é deficiente para os padrões exigidos em operações internacionais.
A dificuldade de comunicação em inglês limita a integração de tripulações mistas, o entendimento de manuais e a capacidade de assumir funções em navios de bandeiras estrangeiras. Além disso, reduz a possibilidade de ascensão a cargos superiores em empresas internacionais.
Propostas para modernização e ampliação
Diante do cenário apresentado, algumas medidas emergem como prioritárias:
- Reativação e expansão dos cursos ASON/ASOM: retomá-los com calendário regular e meta anual de formação acelerada.
- Parcerias com universidades civis: criar programas de formação dual (acadêmica e marítima), com currículos integrados supervisionados pela DPC.
- Criação de centros regionais de formação: novas unidades descentralizadas, com foco em regiões portuárias estratégicas, como Santos, Paranaguá e Suape.
- Ampliação do uso de simuladores: centros de excelência com simuladores de navegação, máquinas, combate a incêndio e situações de emergência.
- Reforma da Normam-101: atualizar o regulamento para permitir maior participação da iniciativa privada na formação, sem abrir mão dos padrões da IMO.
- Ensino intensivo de inglês: aulas com professores nativos, imersões e certificações internacionais obrigatórias (Marlins Test, TOEIC, etc.).
- Digitalização e agilidade na certificação: permitir que certificados de competência sejam emitidos eletronicamente, com validação em tempo real.
O sistema de formação de oficiais da Marinha Mercante brasileira possui qualidades reconhecidas, mas carece de agilidade, escala e adaptação às demandas do século XXI. A centralização na Marinha garantiu padrões técnicos, mas, sozinha, não consegue atender a um setor em franca expansão.
Modernizar e descentralizar essa estrutura — sem abrir mão do rigor formativo — é o caminho para garantir que o Brasil tenha, além de navios, profissionais aptos a operá-los com excelência.
Investir em formação não é apenas suprir uma demanda. É construir soberania, segurança e futuro para a navegação brasileira.